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'Tou que nem posso


... graças e desgraças


terça-feira, 9 de setembro de 2003



O regresso do Big Brother
 
“A teletela recebia e transmitia simultaneamente. Qualquer ruído que Winston fizesse, mais alto que um leve murmúrio, seria captado pelo aparelho; além disso, enquanto permanecesse no campo da visão da placa metálica, poderia ser visto também. É claro que era impossível saber se num determinado momento determinado cidadão estava a ser vigiado ou não. Impossível saber com que frequência ou com que periodicidade a Polícia do Pensamento ligava para a casa deste ou daquele indivíduo. Era mesmo concebível que vigiasse toda a gente ao mesmo tempo. A verdade é que podiam interceptar qualquer linha, sempre que o desejassem. Tinha de se viver – e vivia-se por hábito que se tornava instinto – na suposição de que cada som era ouvido e, salvo quando feito no escuro, cada movimento era observado”.

in 1984, de George Orwell (da tradução portuguesa de L. Morais)

‘Nineteen Eighty Four’ foi publicado pela primeira vez no dia 8 de Julho de 1949. Provavelmente completado ainda em 48, George Orwell terá gostado da capicua e situado a história em 84 por essa razão. Parece lógico. Mas não é científico. Até lá, terá pensado Orwell, trinta e quantos anos, trinta e cinco, é tempo suficiente para justificar o desenvolvimento tecnológico capaz de permitir que, realmente, o Grande Irmão vele por todos.

O Grande Irmão que tanto preocupou George Orwell e que levou Michael Radford a assinar um filme notável, a última grande metragem em que participou Richard Burton e em que John Hurt terá desempenhado o papel da sua vida (a propósito, o filme estreou em... 1985), está de volta. Haverá quem diga que o Grande Irmão nunca nos deixou e que cada vez zela mais de perto por todos nós, através do número de contribuinte, do cartão de crédito e cartão multibanco, da via verde, da segurança social, mas fora isso - e a tal já nós estamos todos bem habituados -, o mano até tem tido alguns períodos de descanso.

Agora, o Grande Irmão regressou de férias. E parece que veio cheio de energia. Mas está numa fase esquisita, em que já não lhe interessam tanto cartões de banda magnética nem bases de dados; a possibilidade de calcular a velocidade média - excessiva entenda-se - a que se transita na auto-estrada nem sequer o faz pestanejar. O mano particularizou. Anda com vontade de usar teletelas que recebem e transmitem em simultâneo e outros artifícios tecnológicos para ler o que não foi escrito para ele e ouvir aquilo que seguramente não lhe foi destinado. Tudo coisas a que pode recorrer para criar a sensação que, num determinado momento, determinado “cidadão” pode estar a ser vigiado e, já agora, vigiá-lo mesmo. Isto para não falar em métodos menos sofisticados, mas nem por isso caracterizados por graus de eficácia inferiores, como por exemplo a prática milenar de dividir para reinar, leia-se, para melhor poder obter (sacar, fica melhor) informações sobre cada um.

Quase 30 anos após o início da terceira vaga mundial de democratização, que nós, portugueses, até tivemos a honra de inaugurar, volta a viver-se o hábito que se torna instinto na suposição de que cada som é ouvido e, salvo quando feito no escuro, cada movimento é observado. Pois é... George Orwell não previu as câmaras de visão nocturna - usadas com sucesso por outro Big Brother, por sinal bem badalhoco - e que permitem ver até o que se passa debaixo de cobertores. O mano é que não descura as novas tecnologias. Este, vai a todas.

Feito o alerta, cuidado com o que se diz e com o que se escreve porque mesmo sem teletelas evidentes as paredes podem ter olhos e ouvidos. Escrever, só mesmo com papel e lápis. E já agora outro conselho: sem carregar muito. É que apesar de pouco esperto, o Grande Irmão não desdenha de um bom desafio...

Manuel


posted by: 1 dos 2 / 14:24
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