Mentir é feio; calar é enganar a verdade. Haverá alguma diferença?
Aprendi a calar. Será que não mentindo estarei a enganar?
Se formalmente não minto, engano, e se não engano ninguém, estou a enganar-me com certeza.
Não procurei o engano, o engano encontrou-me. Recuso a mentira ao mascarar a verdade.
Exerço afinal o que durante muito tempo me magoou. Consigo inexplicavelmente conviver com duas meias verdades sem querer reconhecer que são duas boas mentiras.
Viver com uma só mentira causou-me tanta amargura que me fez reagir, esbracejar e provocar a rotura. Inexplicavelmente, dou comigo a pactuar pacificamente com o plural.
Assumo o papel que me impõem, enfrento destemida os desafios. Por cada palavra que profiro, sinto o peso duma decisão. Por cada decisão que tomo, sofro a insegurança dessa responsabilidade.
Não posso contar com o apoio de nada nem de ninguém. Estou só e entregue à minha própria e individual capacidade de discernimento. Se for bem sucedida, não faço mais do que a minha obrigação, se não for… é porque não tenho capacidade para o cargo.
A lei é a da selva… come para não seres comida! Gastam-se mais energias a olhar por cima do ombro do que a produzir.
Procuro não questionar a realidade que me envolve; evito parar para pensar: “Mas afinal o que é que eu estou aqui a fazer?”
Nas 16h ou mais horas por dia em que me deixo arrastar neste turbilhão, não me permito dar a mim própria um segundo de introspecção. Todos os dias perco um pouco do bom que sei que ainda há em mim, e perco-o com a noção da má consciência que ainda me habita.
Assisto algo perplexa ao facto de que quem me quer bem, quem deveria saber o quanto isso me penaliza, não o reconhece. Incentivam-me para que eu continue, para não desistir de continuar a desbravar caminho numa corrida sem sentido, que nada tem a ver comigo.
E nos poucos momentos que tenho para mim… sinto-me mais só do que em qualquer outro momento em que a solidão me apanhou desprevenida.