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'Tou que nem posso


... graças e desgraças


segunda-feira, 29 de março de 2004



O conflito
 
O conflito começou há um ano. Mais dia menos dia. Foi iniciado por causa das ameaças vindas de um dos bairros periféricos. Ficava nas zonas pobres mas era lá que viviam alguns dos habitantes mais ricos da cidade. Lá havia armas escondidas. Armas perigosas. Havia provas. Ia ser difícil encontrá-las, porque os seus donos passavam a vida a escondê-las em sótãos, arcas e até debaixo dos colchões. Mas as armas existiam e era preciso ir atrás delas.

Houve quem insistisse que mesmo tendo em conta os perigos era necessário tentar dar às ameaças uma solução pacífica. Recorrer às autoridades. Negociar com os donos das armas, talvez eles acabassem por ceder, quem sabe. À bruta ia ser uma confusão. Muita gente haveria de ser vítima da violência. E depois, se não encontrassem as armas?

Nem pensar nisso, insistiram alguns dos vizinhos. Nos bairros pobres não vivem apenas alguns dos mais ricos da cidade. Vivem lá também os mais tiranos. Não se pode confiar neles. Eles têm as armas bem escondidas, até já as usaram. As autoridades? Quem é que liga às autoridades, perguntaram os vizinhos.

Não deixavam de ter razão. Afinal de contas já não era a primeira vez que os vizinhos eram ameaçados. Até já tinham sido atingidos pela violência oriunda dos bairros pobres onde viviam alguns dos habitantes mais ricos da cidade. E alguns dos mais tiranos. O que é preciso é falar com os dirigentes dos bairros mais ricos, a ver se eles vão lá resolver a questão. Só eles é que podem e aquela gente só vai à paulada, reclamavam os vizinhos.

Que não, defenderam alguns dos habitantes dos bairros ricos mas não tão ricos como os bairros mais ricos. Não se pode permitir que os bairros mais ricos comecem agora a armar em justiceiros da cidade e intervir assim nos bairros pobres, mesmo que lá vivam alguns dos mais ricos habitantes da cidade. E alguns dos mais tiranos. O que é preciso é recorrer às autoridades. Só as autoridades é que podem intervir.

Tais argumentos eram escutados com impaciência lá para os lados dos bairros mais ricos. Lá ainda se lembravam de ajustes de contas antigos, coisas quase esquecidas mas que tinham ficado por resolver. E depois havia o ataque recente a dois gémeos dos bairros mais ricos. Ninguém podia esquecer. Foram barbaramente atacados por gente estranha, vinda de fora, disse-se na altura que dos lados dos bairros pobres onde vivem alguns dos habitantes mais ricos da cidade. E alguns dos mais tiranos. Mas ninguém sabia, ao certo, de onde tinham vindo. Não se sabia mas nos bairros mais ricos pouco importava. Havia que vingar o ataque aos gémos e ajustar as contas antigas.

Com os bairros mais ricos alinharam outros bairros, uns ricos, mas não tão ricos como os mais ricos, outros pobres. E outros assim assim. Havia quem lhes chamasse pobres com mania de ricos. Eram precisos todos para fazer número. E lá foram todos, atrás dos mais ricos, ver como estes entraram pelos bairros pobres onde viviam alguns dos habitantes mais ricos da cidade, e alguns dos mais tiranos, e destruiram tudo à medida que passavam. O que os mais ricos não destruiram, fizeram-no os próprios habitantes dos bairros pobres onde viviam alguns dos mais ricos habitantes da cidade. E alguns dos mais tiranos.

Os bairros mais pobres, onde viviam alguns dos habitantes mais ricos da cidade, e alguns dos mais tiranos, agora são só os bairros mais pobres.

Há quem diga que agora os tiranos são outros.

Mas ninguém sabe ao certo.

Manuel


posted by: 1 dos 2 / 18:37
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terça-feira, 23 de março de 2004



Cortar as amarras
 
O que parece ser fácil, o que o nosso lado racional equaciona e faz todo o sentido, esbarra com o nosso outro eu, o que embora concorde não reage com a mesma frieza.

Dois tempos em compassos divergentes, em que o primeiro comanda e obriga o segundo a acompanhar, vai à frente e espera impaciente que o lado emocional se deixe de merdas e atire para trás das costas anos de dedicação, de investimento, de débito de horas de sono, de conquistas, de opções difíceis.

24 horas, ou 48 horas, ou mesmo uma semana… é pedir muito?
É só isso que eu peço. Um compasso de silêncio para que um possa seguir o outro. É tudo quanto preciso; depois, prometo… seguirão juntos, como sempre.

Maria


posted by: 1 dos 2 / 22:55
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terça-feira, 16 de março de 2004



Comportamentos estranhos
 
Atlas e destacáveis de jornais e revistas sobre Portugal estão a ser muito procurados em locais onde até há pouco tempo ninguém sabia que na Península Ibérica há mais do que um país e onde, quando alguém falava em Portugal todos pensavam em laranjas. Agora já não é assim. O interese pela língua portuguesa cresceu subitamente e as emissões da RTP internacional passaram a ter inesperadas audiências.

Com ou sem relação com este fenómeno, as agências noticiosas têm estado a ser inundadas de cartas e aos gabinete dos directores dos jornais chegam telefonemas, tudo em línguas orientais. Em caixotes de lixo, um pouco por toda a parte, surgem cassetes de áudio e de vídeo embrulhadas em versículos religiosos. E ocorrem coisas no mínimo estranhas. Há dias um homem de meia idade e com aspecto suspeito foi detido algures no interior do país. Constatou-se que tem sotaque do Sul e reside habitualmente na Mouraria. Quase ao mesmo tempo foi presa numa cidade dormitório da margem Sul do Tejo uma jovem que procurava numa livraria de grande afluência um dvd do filme Lawrence of Arabia. A parede que há tempos ruiu no Norte do país não terá afinal caído sozinha, o Sr. Ismael, que morava no 2º andar costumava cantarolar numa língua que ninguém conhece e deixou de ser visto uns dias antes daquilo vir por ali abaixo, afirma com convicção a vizinha que, aliás, sempre desconfiou dele.

Os nossos serviços de informações “:-)”, não dispõem de ameaças concretas dirigidas ao Campeonato Europeu de Futebol. Nem antes, nem durante.

Eu acredito. Afinal de contas o prazo de entrega já terminou. E contrariamente aos prazos que ninguém respeita, este envolve multas pesadas.

Depois, logo se verá.

Manuel


posted by: 1 dos 2 / 08:27
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quarta-feira, 10 de março de 2004



Bom senso
 
Senso é faculdade de julgar, é juízo, raciocínio, intuição, circunspecção, prudência, compreensão, percepção (in Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 6ª edição).

Dizemos que o senso é bom quando, por exemplo, apreciamos a faculdade de bem ajuizar nas circunstâncias ordinárias da vida. Mesmo quando o défice de prudência e de circunspecção ultrapassa máximos estabelecidos. Afinal de contas, de vez em quando isso até é permitido. Pelo menos em francês e alemão é concerteza.

A TVI é uma estação de televisão que se preza de ajuizar, com grande coerência, as circunstâncias mais ordinárias da vida. Todos os dias dá mostra disso.

Daí que em relação à pergunta aqui deixada, e recorrendo à lógica, para completar o que aprendi com a ajuda do dicionário, diria que o que haverá mais na TVI é... bom senso.

Manuel


posted by: 1 dos 2 / 08:13
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terça-feira, 9 de março de 2004



O Dia Internacional da Mulher na Nazaré
 
Telejornal da TVI.
Será que na direcção de programas não há uma mulher ou um homem, uma ou um com bom senso, pelo menos, que se levante e diga: não há um assunto mais dignificante ou mais interessante em que se basear para falar no dia internacional da mulher?

A melhor forma que arranjaram para fazerem lembrar a desigualdade que ainda persiste na nossa sociedade foi mostrar como algumas mulheres da Nazaré o celebraram: todas juntas num espectáculo de… streep masculino!

É triste que para alguns, igualdade se resuma a esta caricatura e que apenas signifique … pôr os homens a nú!


Maria


posted by: 1 dos 2 / 13:54
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segunda-feira, 8 de março de 2004



Igualdade dos sexos
 
«Estudo e inquérito mostram que ainda falta percorrer um longo caminho para a igualdade de sexos» (título do Diário de Notícias, 8/3/2004).

Desculpem lá eu dizer isto mas eu espero bem que os sexos se mantenham como estão. Diferentes. Compatíveis. Acho que o gozo é muito maior assim.

Manuel


posted by: 1 dos 2 / 15:55
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A volta ao texto.
 
Às vezes sinto-me tentado a modificar um texto. Leio e acho que se fosse eu a assinar teria escrito de outra forma. Não digo melhor. Digo apenas diferente. Lembro-me da "História do Cerco de Lisboa" e do tipógrafo que com a exclusão de uma pequena palavra, três letras, um ditongo, trocou as voltas ao texto. Causou a maior das confusões.

A tentação não é plagiar. Isso haverá quem faça, traduzindo e melhorando «com muito amor e carinho». Eu citaria profusamente o(s) autor(es). Estaria a recorrer a um dos princípios básicos da natureza: minimizar gastos de energia. E também a experimentar, a ir mais longe, porventura. Ou a ficar aquém. Mas para quê reinventar a roda, neste caso o texto, se já alguém teve esse trabalho antes? O esforço seria dedicado a dar-lhe a volta, a olhá-lo de outro ângulo, invertido se fosse caso disso, a construir sobre obra já feita.

O problema é que há palavras que só fazem sentido de uma forma, numa sequência, por mais que se tente dar-lhes outra arrumação. Leio, releio, pouso, volto a pegar mas as palavras parecem uma espiral de ADN ou um cd com tecnologia anti-cópia.


Há coisas que mudam.

Há outras que não. São assim.

Manuel


posted by: 1 dos 2 / 15:48
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sábado, 6 de março de 2004



À procura do meu lugar
 
À procura de lugar para estacionar, a cabeça tipo pardal – que jeito que dava para a rodar a 180° - os ouvidos apurados – será que estou a ouvir o ruído de uma ignição? – três voltas ao quarteirão, já a dizer mal do dia que ainda não tinha começado, os palavrões a serem mentalmente proferidos – sempre começados por “p” que são os únicos que me aliviam – quando os meus olhos reparam em algo que os fazem voltar atrás.

Um casal. Teriam mais de 70 anos, com certeza. Caminhavam pelo passeio, sem pressa. Sobretudo não tinham o ar daqueles “velhinhos” meio perdidos, que normalmente despertam em nós, nos menos velhos, um sentimento de compaixão, que às vezes nos leva a sermos inconvenientes e oferecer a ajuda que não nos é pedida.

Caminhavam com ar de quem sabia para onde iam. Vestiam desportivamente. Ela, bem roliça, calçava botas de caminheira, ele… nem reparei.

Reparei apenas que caminhavam de mão dada, com o à vontade de quem o fazia por gosto, por hábito, com a descontracção de quem manteve esse gesto durante uma vida.

Senti pena… de mim!

Maria


posted by: 1 dos 2 / 17:45
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quarta-feira, 3 de março de 2004



Os Vírus
 
É raro estar doente. Gripes, constipações, surtos víricos … nada me pega. Dos outros, dos que circulam pela net, o meu sistema nem quer saber: I’m an Apple!

Não tomo pastilhas, muito menos antibióticos. Não tenho anti-vírus instalado nos meus computadores.

Mas às vezes pergunto-me: será que estou imune? Ou será que os anti-corpos que eu julgo tornarem-me resistente apenas camuflam os sintomas e sou afinal tão vulnerável como qualquer outra pessoa. Da mesma forma que o meu computador não se queixa mas pode ser portador.

Chego à conclusão que posso estar tão “doente” como todos os que me rodeiam, que da mesma forma sou sujeita a recaídas quando os vírus se tornam mutantes e resistentes aos antibióticos tradicionais.

Acho que preciso de rever a minha teoria. Fazer um check-up e tratar-me. Urgentemente.

Maria


posted by: 1 dos 2 / 12:27
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terça-feira, 2 de março de 2004



Fora do meu ritmo
 
Há mais de meia hora
que estou sentado à secretária
Com o único intuito
De olhar para ela.
(Estes versos estão fora do meu ritmo).
Eu também estou fora do meu ritmo


Isto escreveu Álvaro de Campos.
E continuou. Se o poeta existisse (?) hoje,
quem sabe, o poema não teria ficado assim:

Computador à frente
Impressora com tinteiros novos à frente.
Mais para cá papel muito limpo.
Mais para lá disquetes, virgens?
Ao lado esquerdo um cdrom da «Enciclopédia Britânica».
Ao lado direito –
Ah, ao lado direito!
A faca de papel com que ontem
Não tive paciência para abrir completamente
O cd que me interessava e não ouvirei.

Quem pudesse sintonizar tudo isto!



posted by: 1 dos 2 / 11:31
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(In)decisão
 
A indecisão crónica é um mistério para quem não sofre dela.

Quem não mede cada passo com base nas possíveis consequências do movimento de cada pé e não tem fobia de alturas não terá razões para recusar saltar de um avião em queda livre. Se não o fez ainda terá sido por falta de oportunidade. Ora bem, não me tomem à letra com este exemplo. Aqui talvez haja uma boa e compreensível dose de receio, chamemos-lhe mesmo medo. Não sei se arranjaria coragem para um salto desses. Embora já tenha dado outros, porventura bem mais difíceis. Talvez acabasse por fazê-lo, indo, ou deixando-me levar, até ao aeródromo, só para ver como é. Coloca-se o pára-quedas, só para ter a sensação do peso, entra-se a bordo, só para ver a vista. Alguém há-de tomar a iniciativa de dar o empurrarão para fora do avião.

Depois ajustamos contas!

Já quem perdeu por completo o instinto que o levou a deixar de gatinhar e arriscar a postura vertical poderá ficar bloqueado só com o processamento, exponencial, bloqueador, por isso, de qualquer unidade de processamento, central ou periférica, das possíveis consequências de qualquer salto antes mesmo de sair de casa.

Manuel


posted by: 1 dos 2 / 11:30
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