Coisas que me irritam solenemente na televisão portuguesa (comentários das transmissões desportivas e novelas à parte):
O bom português (como é que se diz, contornar uma rotunda ou contemplar uma rotunda?) Telejornais de mais de uma hora Reportagens em directo e ao vivo sobre engarrafamentos na 2ª circular ou na bê-cê-i Sôtores e sôtoras O número treuze Fazer questões e colocar perguntas sobre... O estado da icunomia nacional? Quaise... Quaise me dá uma coisa má.
Os acontecimentos são inversamente proporcionais à postagem. Posta, de bacalhau ou restante, posta ali ou posto isto, aqui, seja onde for. Há um novo Presidente em Belém, à primeira leitura poder-se-ia pensar que é o novo líder do Belenenses, afinal não, parece que é um presidente de todos os portugueses embora haja quem insista que de Portugal pode ser, agora dos portugueses é que não, pelo menos não de todos. Pouco se me dá, se tivessemos um rei - e se eu fosse Marquês - poderíamos copiar os blegas e ter um Rei dos Portugueses. Há manifestações de agricultores, mete-se água no Alqueva, há mais manifestações de agricultores, sôtoras e sôtores vão à "televisão" e opinam sobre coisas que até nem conhecem, continuam as manifestações de agricultores, a Guarda (Nacional) Republicana faz uma operação stop na A1, a meio da madrugada desvia o trânsito para a área de serviço, parece que o concessionário é tio de alguém importante na polícia. Só pode ser. O choque tecnológico continua e os efeitos sobre os súbditos de Sua Majestade o Rei dos Portugueses parecem ser mais os de um choque eléctrico. O que vale é que daqui para a frente tudo se passará a fazer pela internet, os portugueses vão ter de estar permanentemente on-line, só falta adicionarmos www ao nome. Já estamos em Março, fabuloso tema de conversa, o tempo, mas que grande que está o seu filho, oito anos já, como o tempo passa, e este tempo, não é normal para esta época do ano, este mundo está todo do avesso e a culpa de quem é, nossa, toda nossa, então um bom dia e cumprimentos lá em casa. Enquanto isso eu mantenho-me calado e sou penalizado. É o trabalho, sabe como é, chega-se a casa tarde e a más horas, vá lá haver disposição para fazer seja lá o que for, um bom fim de semana para si também, cumprimentos em casa.
Um dia, manhã cedo, toca a campainha. Quatro ou cinco tipos mal encarados entram pela casa dentro armados de caixas de cartão por abrir, rolos de fita, maços de folhas de papel, enormes rolos de plástico extensível e daquele com bolinhas que dá um gozo enorme rebentar, mais rolos, estes de fita adesiva. Entram e começam a montar caixas, a abrir armários e a tirar as coisas que tenho lá dentro. Pegam nos objectos, embrulham-nos em papel, cuidado que isso é frágil, não se preocupe que nós sabemos o que estamos a fazer, pensa que esta é a primeira casa que desmontamos e voltamos a montar, ouça por acaso não tem por aí café? Café, tenho, quer dizer se ainda ninguém tiver embalado… Não se preocupe, essas coisas ficam sempre para o fim. Faço café, o melhor é fazer já uma cafeteira grande, os chocolates, andei eu a poupar os chocolates para estes tipos me abrirem a caixa. Aponto e vou para protestar mas um dos macacos faz um gesto cujo significado tanto poderia ser não obrigado já tenho a minha conta como espera aí que já vais ver o que vai acontecer à tua despensa. Tento acompanhar a desmontagem da casa e verificar o carregamento do camião. Vou pelas escadas porque os elevadores estão todos ocupados pela horda de tropas bárbaras. Faço de conta que não conheço os vizinhos que bem tentam apanhar uma boleia nos “monta-cargas” mas dificilmente conseguem. Deito a mão a uma das caixas para ver o que lá tem dentro e enfio uma lâmina de "faca japonesa" no indicador direito. Puxo a mão e o gesto completa o corte. Sabe, diz-me o enfermeiro que me faz um curativo e para além de pomada anti-séptica vai deitando na ferida umas gotas de um líquido incolor, o que é isso, isto?, cola biológica!, dizia eu, a ter de se cortar mais vale com uma lâmina afiada. Sara mais depressa e dói menos.