Um dia, manhã cedo, toca a campainha. Quatro ou cinco tipos mal encarados entram pela casa dentro armados de caixas de cartão por abrir, rolos de fita, maços de folhas de papel, enormes rolos de plástico extensível e daquele com bolinhas que dá um gozo enorme rebentar, mais rolos, estes de fita adesiva. Entram e começam a montar caixas, a abrir armários e a tirar as coisas que tenho lá dentro. Pegam nos objectos, embrulham-nos em papel, cuidado que isso é frágil, não se preocupe que nós sabemos o que estamos a fazer, pensa que esta é a primeira casa que desmontamos e voltamos a montar, ouça por acaso não tem por aí café? Café, tenho, quer dizer se ainda ninguém tiver embalado… Não se preocupe, essas coisas ficam sempre para o fim. Faço café, o melhor é fazer já uma cafeteira grande, os chocolates, andei eu a poupar os chocolates para estes tipos me abrirem a caixa. Aponto e vou para protestar mas um dos macacos faz um gesto cujo significado tanto poderia ser não obrigado já tenho a minha conta como espera aí que já vais ver o que vai acontecer à tua despensa. Tento acompanhar a desmontagem da casa e verificar o carregamento do camião. Vou pelas escadas porque os elevadores estão todos ocupados pela horda de tropas bárbaras. Faço de conta que não conheço os vizinhos que bem tentam apanhar uma boleia nos “monta-cargas” mas dificilmente conseguem. Deito a mão a uma das caixas para ver o que lá tem dentro e enfio uma lâmina de "faca japonesa" no indicador direito. Puxo a mão e o gesto completa o corte. Sabe, diz-me o enfermeiro que me faz um curativo e para além de pomada anti-séptica vai deitando na ferida umas gotas de um líquido incolor, o que é isso, isto?, cola biológica!, dizia eu, a ter de se cortar mais vale com uma lâmina afiada. Sara mais depressa e dói menos.