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'Tou que nem posso


... graças e desgraças


quarta-feira, 22 de outubro de 2003



O Filme
 
Há algum tempo atrás convidaram-me para ir ver um filme.
Aceitei, claro.
Decorriam alguns metros de fita quando me dei conta que me tinha enganado na sala… aquele não era o filme que eu queria ver, não era sequer o meu género.

Hesitei. Nem tudo me desagradava mas qualquer coisa me dizia que não ia gostar do argumento. Fiquei atenta a assistir mas com muitas reservas, pronta para me levantar ao primeiro sinal de que as minhas suspeitas estavam certas, até confirmar que a minha intuição não me enganava.

Preparei o discurso para eventualmente me justificar perante quem me tinha convidado e aguardei. No primeiro intervalo… reagi. Não! A companhia era sem dúvida agradável mas… não! Confirmavam-se infelizmente as minhas suspeitas e não era de todo em todo o tipo de filme que me agradava; demasiado pesado e do género que me iria indispor durante muito tempo, provocar-me pesadelos até.

Não quis, por orgulho talvez, dizer que tinha medo, mostrar a minha fraqueza. Quase timidamente e sem usar muitas palavras pedi que me desculpasse mas que me iria retirar. Não tive coragem para dizer tudo o que me ia na alma, de acusar quem me convidou que o não devia ter feito. Quase que chamei a mim toda a responsabilidade por não me ter apercebido por antecipação, que deveria ter sido eu a recusar o convite. Uma vez mais fui demasiado exigente comigo própria e quase deixei que fosse eu a assumir todas as responsabilidades; apesar de tudo já tinha idade suficiente para não fazer o papel de inocente, encaixei envergonhada o comentário de que com certeza tinha reparado no título, no realizador e nos actores principais!!

Abandonei assim a sala, decidida que estava a fazer o que era correcto, a proteger a minha sensibilidade, embora, confesso, com alguma pena. Fiquei algum tempo na porta, sem qualquer intenção de voltar a entrar mas ainda sem entender muito bem porquê me tinha custado tanto tomar essa decisão. Não conseguia ter raiva contra quem me tinha convidado; continuava a pensar que eu é que tinha dado a entender que me identificava com aquele filme.

Não abandonei as redondezas com a devida rapidez. Não sei se por insegurança, se por falta de alternativas,se por me sentir momentaneamente frágil, dei comigo outra vez dentro da sala. Sem perceber muito bem como nem porquê fui-me sentindo lentamente conduzida ao meu lugar; era ainda o mesmo, ligeiramente afastado dos restantes, em que eu podia ver sem ser vista.

Desta vez sabia que não era o meu filme; era o filme possível. Resolvi descontrair. Afinal o que é que podia acontecer de pior? Voltar a levantar-me e ir-me embora quando o enredo começasse a complicar-se demasiado para aquilo que eu poderia aguentar. Desta vez ia preparada, já não era apanhada de surpresa e enquanto não me incomodasse ia podendo desfrutar de alguns bons momentos de arte cinéfila. Aprendi rapidamente a fechar os olhos quando havia alguma ameaça de cenas que não me agravam e assim se foram passando mais alguns metros ou talvez até quilómetros de fita que de alguma forma me ajudavam a preencher algum vazio que tinha vindo a sentir dentro de mim. A companhia continuava a ser agradável; embora os lugares estivessem estrategicamente afastados, dava para ir ocasionalmente trocando algumas impressões e comentários. Fui-me deixando ficar no recato daquele lugar e até comecei a tirar algum gozo disso; apesar de tudo estava à vontade para me mexer ou levantar quando me apetecesse, sem incomodar ninguém. Mais importante de tudo, a saída estava mesmo ali ao lado, bem sinalizada, como mandam os regulamentos.

O filme já ia adiantado mas ainda iam entrando alguns retardatários. Entraram bastante tarde e como tal não se aperceberam que tipo de filme era aquele; ou pelo menos não estavam a assistir com os mesmos olhos com que eu me tinha envolvido. Como tal, estavam sintonizados noutra onda, estavam ali de passagem e apenas para passar alguns bons momentos. O meu lugar ficou assim rodeado por mais pessoas que, alheias aos meus receios emocionais, perturbavam inconscientemente o meu sossego e às vezes até mesmo o campo visual do caminho de fuga.

Achei que era grosseria da minha parte estar constantemente dizer-lhes “schhhh…. pouco barulho” e era impossível deixar de ouvir os comentários que iam trocando entre si. Eles já tinham lido e ouvido muito mais do que eu sobre o guião do filme; alheios às razões dos meus medos, não podiam aperceber-se do efeito que produziam em mim os comentários que iam soltando. Começou a ser por demais evidente que o enredo se iria complicar e que eu não tinha de facto estômago para ficar a assistir até ao fim. A minha decisão de, se já que tinha comprado o bilhete ficava para ver até ao fim, esfumava-se…!

Levantei-me e… vim embora!

Maria - simplesmente



posted by: 1 dos 2 / 12:24
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