Ponho-me a olhar a Avenida cá de cima, da minha água-furtada e meu refúgio, e digo-lhe, seu Apolinário: tudo isto levou uma grande volta. Antigamente vivia-se aqui como num céu aberto. Nem faz ideia. Onde isso vai, parece que não, os dias passam devagar, mas os anos vão-se depressa. A gente só dá por isso quando já não há remédio.
Foi nos tempos da República, e eu, de calção, com os sapatos nas poças da chuva, travava os primeiros corpo a corpo com a gramática latina e com o verbo Amar. A Avenida era então novinha em folha, como o regime. Começava lá em baixo, num boqueirão sinistro, um rio de lama onde às vezes havia inundação e gritos, entre ribanceiras e prédios esguios, e ia-se perder ao alto, nas quintas e azinhagas.
Saudades para Dona Genciana
José Rodrigues Miguéis