Jantar fora como pano de fundo. Dois amigos encontram-se para conversar e contar os últimos desenvolvimentos da vida um do outro. Já o fazem há tantos anos que nem têm memória das suas vidas em que um não saiba o que se vai passando na vida do outro. Regressam ao hotel a pé. A noite está morna. Ainda se sentam para comentarem e analisarem mais um dos vários assuntos que encetam sem terminar porque logo outro surge. O hotel, de 5 estrelas, não deixa de ser isso mesmo, um hotel. Elegante, staff profissionalmente atencioso e de sorriso estudadamente simpático, mas… impessoal. Despedem-se num amplo abraço, gesto já tão habitual como as inúmeras despedidas que acumularam ao longo de mais de 20 anos. Ela chama o elevador. Sobe até ao último piso do edifício. O aposento, o melhor que o hotel tem para oferecer, espera-a na continuidade do restante: elegante, acolhedor, sofisticado e, obviamente, impessoal. Pousa a carteira numa cadeira, liberta os pés dos sapatos que larga no meio do quarto. Entra na sala que divide os dois quartos: o das visitas e o da dona da casa, ausente. Sem acender as luzes, aproxima-se da ampla janela. O habitual sistema anti-suicídio impede de a abrir mais do que 20 cm. Inventa um texto para um aviso apropriado: Estimado hóspede, se pretender suicidar-se, agradecemos que o faça longe deste hotel. Ass: a gerência. A câmara percorre a vista, deslumbrante. Imagina-se princesa que do cimo da torre do castelo ou palácio, rodeada de todas as mordomias que pode imaginar, olha, distante e com olhar triste, o povoado que se estende a seus pés. A lua acaba de nascer. Ainda está grande e amarela, envolta por algumas nuvens que ainda realçam mais a beleza de estar cheia. Com um gesto distraído carrega no botão do remoto e deixa a música romântica e démodée tocar, sua única companhia. Ouve-se a voz dela que traduz o que pensa - De que adianta uma lua destas se a olhamos sozinhos? Acende um cigarro e fica mais alguns instantes a admirar a vista. No reflexo do vidro, surge uma imagem dum olival, transportando-nos para algo que se parece com uma paisagem alentejana. Flash back dos extractos duma conversa que em tempos aconteceu. O cigarro chega ao filtro. Vira-se, apaga o som do rádio, despe-se lentamente, enfia a camisa de dormir, escova os dentes, o cabelo, lava o rosto. Olha relutante para a sua imagem reflectida no espelho e deixa escapar um suspiro de desalento. Entra no quarto, olha para a cama de casal, os lençóis imaculados e as almofadas de penugem de ganso, esboça um sorriso irónico.