/>


'Tou que nem posso


... graças e desgraças


domingo, 10 de julho de 2005



Um filme que já vi
 
Jantar fora como pano de fundo. Dois amigos encontram-se para conversar e contar os últimos desenvolvimentos da vida um do outro. Já o fazem há tantos anos que nem têm memória das suas vidas em que um não saiba o que se vai passando na vida do outro.
Regressam ao hotel a pé. A noite está morna. Ainda se sentam para comentarem e analisarem mais um dos vários assuntos que encetam sem terminar porque logo outro surge.
O hotel, de 5 estrelas, não deixa de ser isso mesmo, um hotel. Elegante, staff profissionalmente atencioso e de sorriso estudadamente simpático, mas… impessoal. Despedem-se num amplo abraço, gesto já tão habitual como as inúmeras despedidas que acumularam ao longo de mais de 20 anos.
Ela chama o elevador. Sobe até ao último piso do edifício. O aposento, o melhor que o hotel tem para oferecer, espera-a na continuidade do restante: elegante, acolhedor, sofisticado e, obviamente, impessoal.
Pousa a carteira numa cadeira, liberta os pés dos sapatos que larga no meio do quarto.
Entra na sala que divide os dois quartos: o das visitas e o da dona da casa, ausente. Sem acender as luzes, aproxima-se da ampla janela. O habitual sistema anti-suicídio impede de a abrir mais do que 20 cm. Inventa um texto para um aviso apropriado: Estimado hóspede, se pretender suicidar-se, agradecemos que o faça longe deste hotel. Ass: a gerência.
A câmara percorre a vista, deslumbrante.
Imagina-se princesa que do cimo da torre do castelo ou palácio, rodeada de todas as mordomias que pode imaginar, olha, distante e com olhar triste, o povoado que se estende a seus pés.
A lua acaba de nascer. Ainda está grande e amarela, envolta por algumas nuvens que ainda realçam mais a beleza de estar cheia. Com um gesto distraído carrega no botão do remoto e deixa a música romântica e démodée tocar, sua única companhia.
Ouve-se a voz dela que traduz o que pensa
- De que adianta uma lua destas se a olhamos sozinhos?
Acende um cigarro e fica mais alguns instantes a admirar a vista.
No reflexo do vidro, surge uma imagem dum olival, transportando-nos para algo que se parece com uma paisagem alentejana.
Flash back dos extractos duma conversa que em tempos aconteceu.
O cigarro chega ao filtro.
Vira-se, apaga o som do rádio, despe-se lentamente, enfia a camisa de dormir, escova os dentes, o cabelo, lava o rosto. Olha relutante para a sua imagem reflectida no espelho e deixa escapar um suspiro de desalento. Entra no quarto, olha para a cama de casal, os lençóis imaculados e as almofadas de penugem de ganso, esboça um sorriso irónico.

Maria


posted by: 1 dos 2 / 03:23
#






ÚLTIMAS ENTRADAS



ARQUIVO
setembro 2003
outubro 2003
novembro 2003
dezembro 2003
janeiro 2004
fevereiro 2004
março 2004
abril 2004
maio 2004
junho 2004
julho 2004
agosto 2004
setembro 2004
outubro 2004
novembro 2004
dezembro 2004
fevereiro 2005
maio 2005
julho 2005
agosto 2005
novembro 2005
dezembro 2005
janeiro 2006
fevereiro 2006
março 2006
abril 2006



Outras (des)Graças

A Tasca da Cultura

Classe Média

4025 km a Leste

Já sou grande



GoogleNews

This page is powered by Blogger. Isn't yours?




Locations of visitors to this page