Não sou muito alto, metro e oitenta e um centímetros. Olho em redor e vejo-me dentro da média. O meu problema são as pernas. Cinemas, auditórios, teatros, pavilhões, estádios, carros, então atrás nem falar, autocarros, comboios, seja onde for as minhas pernas não entram.
Aviões, mencionei?
Seja qual for a companhia aérea ou as cores do avião, a distância entre cadeiras é um claro incentivo à classe executiva. Aí sim as minhas pernas sentem-se no paraíso. Mas só enquanto passo no corredor em direcção ao estábulo, quero dizer à classe “económica”. Alek económica! Aqui, é aqui, please, não outra vez nas catacumbas, não…
OK, começo por perna cruzada, esquerda sobre a direita, alterno, direita sobre a esquerda, assim que começo a sentir formigueiro, se pudesse pelo menos levantar o joelho e cruzar a perna à homem, faço uma tentativa, tímida, mas o vizinho da direita ou da esquerda, se tiver tido a sorte de um lugar com saída para o corredor, já cruzou a perna dele para o meu lado e abriu o jornal de par em par. Estico as pernas por debaixo da cadeira da frente, consegui, pelo menos assim alguma parte do meu corpo sente-se subitamente livre. O pior são as costas, a tensão na lombar aumenta e a posição começa a ser impossível de suportar.
Como se isso fosse relevante. Seja qual for a minha posição, já sei que o passageiro que viaja encostadinho à janela vai sentir uma súbita vontade de fazer chichi, a menina que vai sentada à minha frente vai reclinar a cadeira dela de tal forma que eu vou poder massajar-lhe as têmporas, melhor não, a hospedeira que distribui tabuleirinhos recicláveis com comida reciclada vai esmagar-me o pé com o trólei, os passageiros que viajam atrás de mim vão levantar-se para deixar passar o janeleiro deles e este vai apoiar-se em cheio na minha cabeça, sorte minha se ele não escorregar e não me arrancar uma mãocheia de cabelos.
Se ao menos eu conseguisse dormir.
Odeio pessoas que conseguem dormir em aviões, sobretudo passageiros que adormecem assim que se sentam e só acordam com a intervenção do chefe de escala no destino. A única coisa em mim que adormece são as pernas. Quanto ao resto, a menor veleidade de passar pelas brasas é rapidamente suprimida pelo comissário de bordo ou pelo piloto.
Que me interessa a mim que o avião voe a uma velocidade de cruzeiro de 950 km/h se eu não consigo cruzar a perna, e a uma altitude de 33 mil pés se eu não posso sequer mexer os meus?